Brasilianas
Saiu em DVD e vídeo "Brasília 18%", volta do cineasta Nelson Pereira dos Santos à ficção após "A Terceira Margem do Rio", curta de 94. O título do filme é alusivo ao clima semi-desértico da capital federal, situada praticamente no coração do continente sul-americano em vegetação de cerrado, num imenso planalto, que faz com que a umidade relativa do ar na cidade baixe a percentagens quase inumanas (daí o 18%) e não sei se guarda alguma relação com seu filme mais badalado, o "Rio 40°", que faz alusão ao tórrido verão da antiga capital federal.
Apesar de usar a cidade como cenário nas tomadas abertas, não é um filme sobre a cidade levantada no meio do país por JK num tempo onde talvez ser nacionalista não era algo cínico. Brasília 18% é um filme sobre o poder, sobre o lado humano do poder e como o poder embrutece, corrompe e deforma o que poderia haver de bom em nós. Nessa toada, mas aí já estou no campo da elucubração, talvez Brasília tenha "dado errado" porque o país deu errado também, e deu errado antes.
Não seria absurdo pensar que a idéia de Brasília como coração do país fosse mais que uma metáfora para JK. As largas avenidas e as grandes distâncias marcam a capital idealizada pelo homem que trouxe a indústria automobilística para o Brasil. A arquitetura de Niemeyer executada nos anos 50 soa moderna hoje, um outro século. No entanto, as grandes decisões do país continuam saindo do eixo Rio-SP, o que caracteriza o fracasso da idéia de transferir para a Nova Capital o coração do país. O país continuou velho, digamos assim.
Nessa cidade de contradições, temos o filme de Nelson e personagens de várias matizes sociais na trama que, com elementos de noir, navega pelo cenário político da capital - onde as decisões políticas do país são efetivamente tomadas. O grande barato do filme é que as personagens, antes de serem mesquinhas ou omissas ou generosas, são demasiadamente humanas. Não há o tom preto no branco que poderia tornar o filme desnecessariamente panfletário, mas várias cores para esboçar um quadro muito mais rico. O andar de trama nos mostra que os descaminhos do poder são muito mais tortuosos do que imaginamos.
Brasília 18% acabou me fazendo lembrar de outro filme sobre os meandros do poder na capital federal, este de Lúcia Murat, feito dez anos antes: "Doces Poderes". O filme de Murat trata, com muita perspicácia, das relações perigosas entre as intimidades de políticos e aspirantes e empresários de comunicação e jornalistas. Como separar, então, o pessoal e o político? Mas, afinal, o pessoal não é político?
Em tempo, para aqueles que enxergam Brasília como a representação física da crocodilagem nacional, vale registrar que a antiga capital federal, o Rio, esteve sob jugo (a palavra é essa) do casal Garotinho nos últimos 8 anos e o atual governador eleito, Sérgio Cabral, saiu das fileiras do mesmo PMDB de Anthony e Rosinha. O que mais cresce na cidade? Segundo me contou uma jornalista candanga a quem quero muito bem durante uma visita minha à cidade, as favelas. E acredite em mim, já é um favelário imenso.
Talvez falte a Brasília um filme que a retrate como uma cidade feito outra qualquer do Brasil. E, claro, vergonha na cara de alguns de seus habitantes mais ilustres.
segunda-feira, fevereiro 05, 2007
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2 comentários:
nao vi ainda. que tal me dar uma copia de presente de aniversario? :D
beijoca
Vocês são foda. O blog é muito bom. Só que "cidade de contradições" é um eufemismo-clichê pra "Brasília, terra de contrastes".
Não parem, por favor.
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