sexta-feira, março 23, 2007

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São cinco da manhã e eu queria estar dormindo. Em 96% dos casos em que são cinco da manhã e ainda estou acordado, pode apostar, estou fazendo algo que não deveria. Mas hoje, por coincidência, espero, meu aniversário, me vi na cama acordado com algo me mantendo acordado e não, não era nenhuma ninfeta insaciável ou algo digno de nota - apesar de estar sendo registrado aqui a essas horas. O corpo não relaxava. A panturrilha direita incomoda desde ontem e não faço a menor idéia do que seja, então, suponho que seja velhice mesmo. O sujeito que passa os anos que seguem sua formação acadêmica e os posteriores desafiando os limites de sua resistência biológica e espiritual diante de copos das mais variadas combinações etílicas, gente da mais variada índole e experiências das mais variadas morfologias deve aguardar o dia em que ele, o corpo, puto da vida, irá pedir a desforra.

Diante da impossibilidade de dormir as supostas horas que me dou o direito na sua totalidade, resolvi começar o dia um pouco antes. Escrevendo. Havia tempo que não me sentava aqui ou em qualquer outro lugar e escrevia sem maior compromisso que não esse que tento manter com as palavras, de deixá-las tomar parte neste mundo e num arroubo de arrogância do autor com ingenuidade de suas mãos, tentar fazer este mundo em que gravo minhas palavras um lugar menos ordinário. É o único compromisso que andei assumindo nesses anos de vida - hoje, vinte e nove - que pretendo manter por mais tempo. O resto eu apenas observo e cataliso, através dos dias e noites, das caminhadas solitárias por ruas que não sei o nome, dos anúncios e notícias que me chegam aos sentidos sem que eu peça por eles, das noites que o corpo grita e eu não entendo o que ele pede.

E o tempo, para as palavras, é mais que senhor. É a sua essência. As palavras e seus produtores e receptores só podem ser analisados sob o prisma do tempo que lhes resta. Há gente neste mundo que não possui tempo para ler, para interpretar, para sentir. Há gente com tempo de sobra até para escrever. O tempo é a marca original de nossa existência, é a única filosofia de vida que consigo aceitar. Nós somos aquilo o que o tempo faz de nós. Parece mesmo uma daquelas frases baratas que encontramos em diálogos de filmes americanos, mas os filmes americanos são tão bem feitos e não vejo nada errado em usá-los a meu favor. Talvez tenha sido o tempo que me fez levantar da cama e tentar com palavras acalmar o corpo, que digita sem entender direito e dói sem me explicar o motivo.

Há muita coisa acontecendo no mundo digno de algumas linhas. Ontem mesmo, Lula, que um dia foi acusado em rede nacional de televisão de possuir bens de consumo acima de posses e pedir a uma antiga namorada para abortar um filho que ele não queria ter com ela, resumindo, declarado ladrão e assassino, recebeu seu acusador do passado, Collor, elle mesmo, com sorrisos e fotos para as primeiras páginas em seu gabinete de trabalho. Parece que o congresso ou o senado ianques aprovaram a retirada das tropas democrático-pacificadoras do US Army das terras iraquianas onde, nos últimos 4 anos, lá estiveram levando paz, alegria e colorido aos nativos. O Flamengo voltou a ser um time aguerrido que entra em campo com jogadores de futebol, daqueles que dividem as bolas, correm até seu último fôlego e, eventualmente, até gols a favor se mostram capazes de escorar. Romário, gênio, pode fazer algo que antes só um cara chamado Édson se mostrou capaz - alcançar uma avassaladora marca de mil gols escorados. E contra seu time de coração, o mesmo Flamengo que voltou a ser um pouco Flamengo esses dias, deve ser muita honra e emoção para um sujeito que, tal qual James Brown, ama tanto a si quanto a seu ofício.

Tudo isso veio a mim, e agora a você, por meio de tempo e palavras. Palavras são o mais eficiente registro do nosso tempo e talvez com alguma subconsciência eu tenha abraçado essa idéia mais do que deveria. Talvez por isso tenha dormido mal o último par de dias. A véspera de uma marca do tempo e a ausência de palavras de minha parte. Porque o tempo, ao contrário do que muita gente quer nos fazer pensar com ameaças atômicas, climáticas e quetais, não tem essa de caminhar pra trás. Você, agora, é uma pessoa mais evoluída do que há minutos atrás. O tempo, as palavras e a Joss Stone não estão de bobeira nesse mundo.