segunda-feira, dezembro 01, 2008

Sobre o gostar

É difícil começar a escrever sem um clichê. É difícil começar a escrever, não é verdade?, com ou sem clichês, imagina se a possibilidade do clichê for de cara excluída da jogada. Complica bastante escrever sobre coisas tão impalpáveis quanto verdadeiras como o gostar sem um clichezinho pra tornar tudo menos etéreo, menos ficcional. Entende? Veja só, na falta do clichê, tive que começar o texto com esse palavreio todo que nada diz, nada consta, apenas preenche e nada solidifica - o que não deixa de ser um clichê, dar voltas e mais voltas pra começar a dizer algo que nada tem a ver com a introdução priápica.

Não, não, não falarei sobre o priapismo. Vou falar sobre o gostar. Sobre gostar de alguém, pra ser mais específico, porque se gosta de muita coisa nessa vida. Acontece que quando se gosta de alguém o sentimento parece começar a fazer sentido, talvez porque seja mais fácil achar uma correpondência nesse ato de bemquerer - por exemplo, eu gosto de jogar bola, mas não é por isso que a bola, o campo e os jogadores facilitam minha vida nas peladas. Gostar de alguém e ser gostado em retorno, eis a sagração da gente.

Como se descobre que se gosta de alguém? Tão impossível quanto a pergunta é a resposta. Não há resposta. Há o sentimento. Em minha adolescência me descobri gostando de alguém porque ela tinha sardas e era ruiva. A outra tinha a bunda mais redonda que já vi ao vivo, ao menos dentro de jeans semibags (eram os anos 80/90). Confesso que vi outra bundas com o passar dos tempos, algumas realmente ótimas e tal, mas aí eu já era adulto e canalha o suficiente pra que a lembrança daquela bunda coberta de jeans adolescente pudesse ser eterna. Mágico e imprevisível esse troço do gostar.

Gosta-se desavisadamente e então já estamos irremediavelmente presos a algo que não podemos entender mas que nos fascina, nos comove e nos atrai junto a si. Ou ao menos funciona assim para mim. Isca e anzol. O gostar possui lá suas razões e eu geralmente não consigo contra-argumentar e me assumo presa fácil dos meus desatinos.

Bem, os desatinos. Não é nada fácil gostar porque gostar implica dedicação, cumplicidade, fé. Não se gosta impunemente e até as misses sabem bem disso ("Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"). Pega mal essa coisa de gostar sem fazer força, de gostar de longe. Cheira a oportunismo e o oportunismo não cheira tão bem quando você não é o camisa 10 da Gávea ou coisa que o valha. Gostar é como passar um recibo de confiança ao outro caso a coisa fique preta, é garantir teto, oferecer o ombro e mesmo o copo na hora da necessidade e segurar uma eventual barra e se virar pra não deixar a peteca cair.

Porque nada consegue o grau de pureza de uma alegria compartilhada com quem se gosta. E é impossível ser feliz sozinho, não é mesmo? Daí a gente ser capaz de coisas impublicáveis pra fazer sorrir quem é digno de lembrança. Afinal, ridículo é quem nunca escreveu cartas de amor ou deixou de fazê-lo pra não cair em clichês.