O pior pesadelo do escritor é faltarem as palavras. Não que elas faltem, elas estão por todo lugar, mas as palavras certas. Tenho um problema seríssimo com as palavras certas, talvez por abusar das erradas.
Sou meio chato com palavras a serem ditas ou escritas. Gosto de palavras que não sejam absolutas demais, que não completem a sentença e ponto final. É bacana sugerir algo que não se tenha dito ou escrito em absoluto, mas que não possa ser negado. Coisa minha. Também tenho uma certa relutância em escrever os períodos vebais em sua ordem correta, o tal "sujeito-verbo-predicado".
E tenho gosto por gírias antigas e períodos curtíssimos, embora adore parágrafos enormes. Desenvolver subcontextos dentro do contexto da idéia principal, floreios, punhetação pseudo-psicológica, papo de bêbado.
Corte brusco.
Maracanã lotado. Dia de sol. Chegada do Papai Noel. Quem não é do Rio e não seja tão velho talvez ignore o que seja "A Chegada do Papai Noel". No meu tempo (anos 80, argh), havia esse ritual natalino no Rio de Janeiro. Papai Noel chegava no meio de um palco montado no gramado do Maraca de helicóptero (mas onde estavam as renas e aquele trenó?) e recebia em mãos do prefeito a chave da cidade, meio que oficializando o Natal. Não era pouca merda, não. Além de já termos enfiado nessa história a administração do Município, um helicóptero e o Maraca, o evento tinha transmissão ao vivo da Globo e apresentações musicais e dos artistas platinados - leiam Xuxa.
Como dá pra se inferir pelo início do parágrafo anterior, eu presenciei in loco uma dessas chegadas. Lembro vagamente da Xuxa saltitante no meio do palco, de uma multidão aguardando o velho descer de helicóptero saído diretamente do Pólo Norte para o calor tropical sem escalas (morte súbita na certa). Um calor de rachar. Meu avô me levou no progamaço indígena, minha vó deve ter ido junto e meu irmão caçula foi com certeza. Não sei se alguma das minhas primas entraram nessa roubada, mas é provável que a mais velha estivesse na fotografia. Todos na arquibancada, chegamos cedo pra pegar um lugar coberto e protegido do sol - porque o lugar lotava de pirralhos e seus infelizes pais.
Eis que em dado momento da farofada sinto aquela vontade irresistível de mijar. Tudo que ocorria no palco começa a ficar nublado, porque fiquei ali me apertando e mudo, um autêntico monge. Não lembro direito o porquê da minha mudez, mas eu acho que fiquei com medo de me levantar e perdermos o nosso lugar. Foi um aperto brutal, nem lembro direito das coisas que aconteciam no palco, mas lembro até hoje do sacrifício que foi me segurar até não dar mais.
Porque, era óbvio, uma hora não iria dar mais. Com o calor, tomei litros de sacolés e refrigerantes e água. Aquele líquido todo precisava sair para eu poder continuar tendo meu sangue limpo. E então, morto de vergonha, sob as vistas dos avós, do caçula e talvez da prima, ignorei as cem mil pessoas no Maracanã, a Maria Meneghel, o Renato Aragão, a minha dignidade e ali mesmo, sentado na arquibancada, soltei toda minha apreensão. Lembro até hoje do calor e do cheiro.
Depois disso o velho chegou, de vermelho e de helicóptero. E eu pedi mais um sacolé.
Recapitulando.
As palavras sempre difíceis. Desde pequeno vem o meu medo delas. Se eu as respeitasse menos e as usasse mais, decerto seria um homem menos complicado. E aposto que treparia mais.
Um comentário:
hahahhaha
eu tb não respeito a ordem: sujeito-verbo-predicado...
mas pq tanta cerimônia para fazer o xixi? tinha quantos anos?
eu nunca fui no maracanã, mas fui duas vezes no show da Xuxa, serve?
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